Pessoas gritam umas com as outras, os rostos vermelhos. Outros tentam permanecer calmos enquanto convencem espectadores da ameaça de estrangeiros tomarem seu país. Como a Áustria está isolada contra o resto do mundo. Um velho quase chora ao sacudir seu jornal em cuja capa se lê a mesma discussão em letras garrafais. Alguns turistas coreanos assistem ao estranho espetáculo sem noção do que ocorre.
Quinze anos atrás, quando o dramaturgo alemão Christoph Schlingensief montou, bem no centro de Viena, seu contêiner-instalação, o hoje legendário Bitte liebt Österreich! (Por favor, Ame a Áustria!, 2000), o chanceler Wolfgang Schüssel havia acabado de fazer seu pacto com o diabo, aliando-se ao demagogo direitista Jörg Haider, e os demais países da Comunidade Europeia discutiam sanções contra o estado membro. A Áustria debateu fervorosamente sobre a política de imigração, assim como sobre os limites da arte. E a Europa assistiu desnorteada.
Levantando o estandarte de “Ausländer raus” (“Fora estrangeiros!”), Schlingensief encenou com os que solicitavam asilo um jogo do tipo Big Brother. Os contêineres abrigavam um grupo de imigrantes que podia ser visto pela CCTV via Internet, e a população da Áustria foi convidada a determinar, por meio do voto, aqueles que sairiam do país, um a um. O escândalo foi enorme: os conservadores se sentiram insultados pela aparente paródia de sua argumentação e a esquerda reprovou o jogo como uma supostamente cínica demonstração.
Se o teatro político só pode existir num contexto no qual se crê num mundo mutável, no qual o teatro deseja ser parte desta mudança e o público está disposto a se engajar ativamente na exploração do que deva ser essa mudança – então se torna claro por que é tão difícil pensar neste teatro atualmente, em uma sociedade paralisada pelos sintomas de ideologias pós-políticas que tendem a se disfarçar em pragmatismo positivista, resignação lacrimosa ou complacência otimista. Quando o credo “Não há alternativa’ [gerando o acróstico TINA, do inglês ‘There Is No Alternative’ (NdT)] é considerado senso comum e a crença no caráter possível ou mesmo desejável de imaginação política está esmorecendo, o teatro é atingido em seu âmago. Todo seu potencial político parece invalidado.
Foi uma época diferente durante os anos 1970 e 1980, quando teatro político na Europa era de fato (de maneiras diferentes em cada um dos lados do Muro de Berlim) um fator relevante em muitos debates públicos. Com ideologias ainda muito fortes e a divisão entre o lado oriental e ocidental muito bem definida, o teatro engajou-se na política diária representando todas as misérias do mundo – da guerra do Vietnã ou o apartheid na África do Sul a pequenas adversidades diárias de uma família da classe operária local. Quer em novas peças, quer em clássicos modernizados, interpretações radicais do texto eram a característica principal de um Regietheater (teatro de diretor), que, a despeito de suas múltiplas abordagens, permanecia na maioria do tempo no reino do mimético. No lado leste, era um jogo com mensagens veladas, no oeste, provocações abertas eram parte importante do repertório, e o público batendo as portas ao sair antes do fim era mais regra do que exceção.
Não é de se espantar que grandes frações do público ainda considerem esse período quase um sinônimo para “teatro político”. Mas mesmo que o teatro durante esse período fosse frequentemente capaz de proporcionar uma compreensão das razões estruturais por detrás dos males apresentados, não podia evitar o dilema de que, ao final, suas representações eram somente mais uma repetição das mesmas misérias que desejava combater. Brecht denominou este fenômeno “Menschenfresserdramatik” (“arte de dramaturgia canibal”), que ele descreve no início dos anos 1930 em suas anotações intituladas Die dialektische Dramatik: “A exploração física dos pobres é seguida por uma de cunho psicológico”, quando o personagem miserável deve supostamente produzir sentimentos de tristeza, culpa ou mesmo raiva no espectador, que provavelmente – pelo menos estruturalmente – ajuda a manter vivo este mesmo sistema de exploração. Ao final, eles continuam o que Brecht já analisara em seu Pequeno órganon para o teatro (1949): “O teatro que conhecemos mostra a estrutura da sociedade (representada no palco) como incapaz de ser influenciada pela sociedade (na plateia).” Não somente a peça no palco, mas toda a montagem teatral (sem mencionar as hierarquias dentro da instituição em si) meramente reproduz o sistema que deseja criticar.